UMA PARTEIRA DE ALMAS

Reb Zalman Schachter-Shalomi para Shalvi e Khaya


 

 

Shulamit era uma mocinha que vivia num vilarejo nas montanhas, no sul da Alemanha, onde havia somente uns poucos judeus. E muito embora esta menina tivesse só doze anos, o anseio de seu espírito por Deus era muito grande e, desde quando podia se lembrar, ela rezava a Deus pedindo um sinal.

Naqueles dias, Reb Zalman passou pelo vilarejo, pois se encaminhava para uma visita ao túmulo do Baal Shem Tov em Michelstadt e juntou-se ao minyan 1 da cidade para a minhá 2 da tarde de sexta-feira, embora ainda não soubesse onde passaria o Shabat. O minyan do lugarejo era muito leal, pois lá havia poucos homens judeus, e se um deles ficasse em casa, não sobrariam homens suficientes para formar um minyan. Porém, aconteceu de um dos homens estar doente naquela noite e Reb Zalman ter a honra de ser o décimo homem. E, daquele momento em diante, Reb Zalman sentiu que não precisava temer nada, pois, sempre que alguém tem a honra de ser o décimo homem, este é um sinal de que Deus está tomando conta dele.

E assim aconteceu que depois da minhá e da maariv 3, Reb Zalman foi convidado por um dos homens no minyan a passar o Shabat em sua casa. Este homem era o pai da menina Shulamit, e uma das razões pelas quais ele o convidou era a de que não havia Chassidim na sua cidade e ele queria que sua filha ouvisse um pouco sobre os Chassidim, pois ele próprio era um admirador das histórias e ensinamentos do Baal Shem Tov.

Durante todo o jantar de Shabat, Shulamit estava muito silenciosa e raramente levantava os olhos do prato. Mas Reb Zalman logo percebeu que havia algo incomum nela, que parecia bem mais intensa que as crianças da sua idade. Após a refeição, Reb Zalman se voltou para ela e perguntou: "Há algo que você queira me perguntar?" Então a mocinha encontrou coragem para falar e disse: "O senhor poderia me contar uma história? Tenho esperado por alguém que me conte uma história. Preciso ouvir uma história." E esta é a história que Rb Salmão lhe contou:

"Era uma vez uma menina que era nova por fora e velha por dentro. Esta menina tinha um destino especial, pois Deus lhe tinha dado uma tarefa para fazer, mas todos que a conheciam consideravam que isto não passava de uma fantasia. Portanto, esta menina esperava por sinal de Deus que confirmasse seu chamado. No entanto, embora ela esperasse por um sinal que viria a qualquer momento, não acontecia nada fora do comum. Ainda assim, ela nunca desistia da esperança em seu chamado especial.

E que chamado era este? Esta menina acreditava que seu destino era o de se tornar uma parteira. Mas não só uma parteira para mulheres, mas uma parteira para todas as pessoas no mundo. Pois há alguns bebês que nascem da barriga e outros que nascem do coração. E quando ela dizia a seus pais que queria ser uma parteira de bebês que nascem do coração, seus pais riam e a consideravam meramente ingênua. Eles não entendiam que ela sabia do que estava falando, pois havia nascido com uma intuição maravilhosa, que a fez perceber seu destino muito antes dele se manifestar.

E assim aconteceu que, no final, ela realmente se tornou uma parteira de almas, pois ajudava todos que encontrava a buscarem em seus corações a criança que estava esperando nascer."
"Reb Zalman encerrou a história e viu que lágrimas escorriam dos olhos da menina e todos se perguntavam por que ela estava chorando. E somente Reb Zalman dentre eles sabia a razão para suas lágrimas, pois a história que ele lhe contara era sua própria história e era também o sinal pelo qual ela esperava por tanto tempo.

No dia seguinte inteiro, durante o Shabat, Shulamit sorria e brilhava como se a Rainha do Shabat fosse sua melhor amiga. Seus pais nunca a tinham visto tão feliz e em paz consigo mesma e pensaram que ela devia estar contente por ter um visitante com eles, quando tão poucos visitantes passavam por ali.

E naquela noite, enquanto Shulamit segurava a vela de havdala 4 e Reb Zalman estava de pé perto dela, ela lhe sussurou: "Como é que o senhor sabia?" E Reb Zalman respondeu: "Se você prestar atenção, é possível você ouvir os anjos sussurrando entre si. No Shabat cada pessoa é acompanhada por dois anjos e durante o jantar eu ouvi um anjo contando para outro sobre seu futuro destino. E quando você me pediu para contar uma história, achei que você tinha uma noção do que os anjos conversavam e que me pedia para repetir o que eles disseram. e assim o fiz." Quando Shulamit ouviu isso, o brilho que circundava seu rosto se tornou tão intenso quanto a chama da vela, porque então ela sabia com certeza que seu destino era o de servir como parteira de almas, que foi exatamente o que ela se tornou quando cresceu.

Do livro The Dream Assembly - Tales of Rabbi Zalman Schachter-Shalomi, redigido por Howard Schwartz, 1988.

Notas da tradução:
1. A tradição judaica exige um mínio de dez pessoas para que se possa considerar a reza em grupo. Os círculos ortodoxos contam somente os homens; os não-ortodoxos não discriminam por sexo.
2. Reza da tarde.
3. Reza da noite.
4. Cerimônia de encerramento do Shabat.

 

 
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