SUKÁ E VULNERABILIDADE
O QUE OS JUDEUS TEM A ENSINAR SOBRE SEGURANÇA

Rabino Nilton Bonder


 

 

A questão da segurança é uma preocupação crescente nas grandes cidades em nosso país.

Isto levou as elites brasileiras a vasculhar o mundo em busca de soluções eficazes e criativas.

A contribuição "judaica" tem ficado por conta das engenhocas produzidas pela industria israelense e dos serviços oferecidos por egressos do Mossad. Estes últimos adaptaram sua expertise à verdadeira guerrilha urbana que travamos nas ruas e no cotidiano de nossas vidas.

Esquecemos, no entanto, que existem dois modelos judaicos que abordam a questão da segurança e que falam legitimamente pela tradição. Refiro-me às duas estruturas de cobertura existentes na tradição judaica -- a Suká* e a Chupá**. Uma fala metafórica e metafísicamente da relação do ser humano com D'us (ben-adam la-makom); a segunda da relação entre seres humanos (ben-adam le-chaveró).

A suká é uma estrutura que deve ter paredes definidas mas cuja cobertura deve ser frágil e permitir que através dela se veja as estrelas do céu e os raios do sol. A chupá, por sua vez, não pode ter paredes definidas mas sua cobertura é compacta.

A suká representa a relação com o Criador e a percepção de que a sobrevivência não advém de estruturas rígidas, mas de uma flexibilidade que nada tem de frágil. Como se numa história às avessas da dos "Tres Porquinhos", a casa que cai com o sopro do lobo é justamente a que é rígida. A suká, permite a passagem do sopro; tomba para um lado e para outro e se apruma novamente. A mensagem metafísica de sua cobertura só agora começamos a compreender com os novos avanços científicos. Sobre nós se extende uma enorme suka de ar, uma atmosfera que é cobertura e é permeável ao mesmo tempo. O Criador faz com que sobre nossas cabeças coletivamente haja um filtro e que suas qualidades de conter e permear sejam apropriadas -- caso permeie de mais esta suká (sem ozônio, por exemplo) não é kasher; caso retenha de mais esta suká (efeito estufa, por exemplo) não é kasher.

A mensagem é clara: a segurança advém do equilíbrio que aparenta ser fragil mas que é, na verdade, fértil e viril. O bunker, por mais profundo que seja, não protege. Sua cobertura rígida não é simbólica de proteção, mas de desequilíbrio e precariedade. A segurança advém deste equilíbrio e este equilíbrio da maneira pela qual definimos nossas paredes. Se nossas paredes não incluem todos os que devem incluir então a suká da qual falamos não possui o tamanho mínimo para ser kasher. Definir as paredes e o que estas incluem tem relação direta com a capacidade da cobertura representar um equilíbrio apropriado.

A chupá, por sua vez, depende de um teto rígido. Ela simboliza uma intimidade que na dimensão do indivíduo necessita de densidade para definir e caracterizar. Não há relação humana que suporte a não presença ou a indiferença do amante, do amigo ou do concidadão.

É preciso um teto para representar os compromissos produzidos pelo encontro de um "eu" com um "tu", como diría Martin Buber. No entanto, a segurança do amor ou da amizade definida por esta cobertura só é possível sem paredes. Na liberdade e na possibilidade de crescimento do outro, no livre acesso para além desta cobertura, é que há segurança em termos humanos. Mesmo a paz entre dois indivíduos não se faz de um teto, de um acordo. É fundamental que as paredes sejam abertas. Quanto mais paredes mais ciúmes e mais desconfiança. Na verdade, só existe um teto rígido e compacto sobre a cabeça quando é possível a inexistência de paredes. O teto se faz sólido por aquilo que ele não exclui.

A lição é clara: a segurança é uma relação. O que nos preserva na natureza é uma relação entre as graças que permitem a vida e a diversidade do que incluimos como parceiros em seu recebimento. O eco-sistema e sua diversidade mínima é a área mínima para que o teto da suká possa nos suprir a segurança necessária. O que nos preserva em sociedade, por outro lado, é uma relação de chupá entre os nossos compromissos e as nossas liberdades. O vazio das paredes laterais é o requisito mínimo para que a cobertura tenha uma solidez que represente segurança.

Nosso mundo social é um mundo que depende das quedas dos muros e de menos grades para o estabelecimento de uma grande chupá sobre os seres humanos. Já na dimensão da sobrevivência se exige a criação de novas fronteiras que demarquem com paredes a inclusão de todos os seres e elementos necessários para que um teto proveja proteção e exposição ao mesmo tempo. A chupá é uma lente ou uma antena -- intensifica a experiência humana e a transmite ao Criador. A suká é um filtro -- faz com que a força da vida nos chegue em proporção adequada.

Qualquer outra proposta pode trazer tudo -- menos segurança.



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