COMPORTAMENTO AUTOMÁTICO OU SAGING?

Reb Zalman Schachter-Shalomi


 

 

Nas orações das Selichot dizemos: "Não nos abandone quando envelhecermos, quando minguarem nossas forças não nos ignore. Então suplicamos: não nos afaste de Tua presença e não arranque de nós o Espírito de Tua Santidade."

Somos conscientes de que com o passar de cada ano nos tornamos mais velhos. A cada ano rezamos para sermos inscritos no Livro da Vida. Em nossa intenção / kavaná está a vontade de uma qualidade de vida na qual desponte não apenas a possibilidade de nos tornarmos mais velhos, mas mais sábios. É possível fortalecer-nos e fazer-nos mais conscientes desta sagrada percepção que vem com a maturidade, mas isto não é automático. Por esta razão rezamos e nos esforçamos neste sentido. Seguem aqui alguns de meus pensamentos e anseios.

Comecei a perguntar a mim mesmo o que o envelhecimento estava fazendo comigo e esta pergunta resultou em uma visão. Eu vi cada sete anos do tempo de uma vida como sendo um mês do ano.

Imagine – do nascimento até os sete anos é Janeiro. Dos sete aos 14, a puberdade, é Fevereiro. Daí até os 21, quando seu corpo atinge a plenitude de seu crescimento, representa Março. Abril começa neste ponto e encerra-se quando você tem 28 e inicia seu retorno de Saturno.(2) Você está se depurando, livrando-se de todos os entulhos. Então você segue até os 35 e logo depois aos 42, quando você se afirma como um ser social – membro de uma família, um trabalhador, um isto, um aquilo. Mas você está em seu auge dos 42 aos 49, aos 56, aos 63. Estes são os três meses em que você realiza seu trabalho no mundo.

A primavera começa quando se tem 21 anos. Você parte do Egito (o inverno que se esgota) e é tempo de Pessach e de Páscoa. Quando você fica um pouco mais velho, atinge o retorno de Saturno e recebe a Torá (Shavuot). Em pleno seio do verão vem a crise da meia-idade – Tisha b’Av, a destruição do templo. Visto sob este ângulo, o ano litúrgico e nosso tempo de vida são paralelos, carregando em si este profundo significado mítico.

Acontece que estou agora no Outubro de minha vida. Ao colocar as coisas desta forma percebo que esta época do ano corresponde ao período logo após a busca profunda d’alma e o exame de consciência que é feito nas Grandes Festas, em Rosh Há-shaná e Iom Kipur. Este é o momento quando nos perguntamos sobre a vida – o que é necessário para que a vida se complete ?

Perguntei-me então – neste período, quais têm sido os processos que começam a atrair minha atenção ? Percebi então que quando estava deprimido, tinha vontade de voltar a fumar cigarros, já pensando o meu corpo se morrendo. Quando compreendi isto decidi "isto não vai ser bom pra ninguém". É muito importante retirar-nos desta posição e reinvestirmos na vida ao invés da morte. Percebi, então, que da mesma forma que anteriormente a libido estava voltada para o sexo e a procriação, para a aquisição de espaços e coisas, estava agora buscando investir no sentido de preservar o material destilado de minha experiência de vida. E quando observo outras pessoas nos Setembros-Outubros-Novembros de suas vidas, percebo uma tendência, que não é pessoal, mas universal, daqueles que envelhecem. Queremos encontrar meios de perceber que nossas vidas não se perderão, que tudo que vivemos não está apagado da memória deste mundo.

Devemos compreender que somos como células de um corpo global. Cada célula não é dona de sua experiência – deve saber vazá-la de volta ao corpo. Era esperado que eu realizasse a minha tarefa, que adquirisse minha experiência, mas a experiência era destinada à consciência global e não a mim. Isto começou a afetar-me mais e mais. Quanto mais atenção dava a isto, mais eu sentia: "Quero escrever meus livros, quero deixar as coisas mais amarradas."

E assim comecei a observar – quem nas tradições espirituais do Ocidente aborda a questão do sanyasse,(3) ou seja, os últimos três meses da vida de uma pessoa ? A maioria dos modelos do Ocidente apresenta os líderes espirituais e religiosos morrendo "montados em suas selas". E percebi que isto não funciona, não dá conta.

A primavera é a infância, é brahmacharya. A maior parte da espiritualidade ocidental é brahmacharya - é jovem, é só jovem. Se você lê livros com indicações espirituais tais como The Cloud os Unknowing percebe que é para alguém com 17 anos. A maioria dos livros do Irmão Lawrence, The Practic of the Presence of God, é dirigida ao público jovem. Mesmo Ignácio de Loyola voltou seu ensinamento para pessoas com menos de 35 anos.

O segundo estágio, o verão, é muito doméstico, é muito doméstico, enquanto que o terceiro período, o outono, é marcado pelo serviço público. A Bíblia nos apresenta algo bastante interessante e relevante. No período bíblico todos serviam o exército dos 20 aos 60 anos e eram então liberados. Os Levitas também serviam dos 20 aos 60. Dos 20 aos 30 eles eram cuidadosamente treinados pelos Levitas mais velhos, pois tinham que saber desmontar a Arca bem como cuidar de tudo relativo ao altar. O período ativo de um Levita ia então dos 30 aos 50, e dos 50 aos 60 sua tarefa era treinar os Levitas mais jovens.

Finalmente chegamos a sanyasse. Reparem naqueles que "fundaram" religiões: Moisés, o Buda, Lao Tsu e Confúcio...todos chegaram a uma longevidade considerável. Jesus e Maomé nem tanto – Jesus foi o mais jovem. Tive um insight muito profundo – o cristianismo, que tornou-se religião mundial em nossa cultura, não dispõe de um bom modelo de envelhecimento.

Quando vocês forem a Miami ou Fort Lauderdale, dêem uma espiada nas pessoas de idade e percebam como elas se vestem como meninos e meninas...de shortes. Eles não querem ser velhos. Seu sentido de dignidade, de experiência ganha é totalmente ignorado; nem sequer reparam nisto. O mundo religioso do Ocidente definitivamente não possui um bom modelo de sanyasse.

O judaísmo possui um incrível modelo de envelhecimento em Moisés. Aqui temos o exemplo de uma pessoa que tinha 120 anos e era ainda ativa. Quando chegou a hora de sua morte, ele teve a oportunidade de conscientemente deixar seu corpo. Na China, Lao Tsu e Confúcio fizeram o mesmo tipo de coisa. Sem contar os avatares que também realizaram o mesmo na Índia. E o Buda... O que tocou profundamente Buda ?

Quando Buda era jovem não deveria ver nenhuma pessoa idosa. A América é como o jovem Sidhartha, como o Buda antes que visse idosos. Tenta, portanto, não prestar atenção, não ver, não olhar e evitar.

A maior parte das pessoas trata de aprisionar sua juventude a um dado momento. E você não tem como reter o processo da vida sem fazer com que este cesse de existir. Assim sendo, vêem-se a si mesmos como se fossem verdadeiros fracassos, pois não foram bem-sucedidos – falharam ao não poderem se conservar na idade de 42. São fracassos neste nível. Mas não o são na possibilidade de chegar aos 65. E... da mesma maneira que "a criança é pai do adulto", o adulto no seu auge é pai do ancião. Isto porque, hoje, com uma experiência de vida maior, podemos nós mesmos dar forma ao tipo de ancião que queremos nos tornar. Podemos então maximizar a bênção que existe em nossa condição. Mas não encontraremos bênção a não ser que compreendamos nossa condição. Se você estiver lutando pela condição errada, o contexto errado, não será bem-sucedido. E isto é necessário para que haja uma recontextualização de uma saudável e abençoada velhice. Alguém que não se libera da reação e do comportamento automático que temos diante da morte, não alcançará ser um ancião-sábio. Esta pessoa ficará fora de sintonia, um fracasso que permanece emocional e espiritualmente em Junho, Julho e Agosto, em vez de ingressar profundamente no outono e tornar-se uma excelente pessoa de Setembro, Outubro e Novembro.

Por outro lado, Freud viveu até os 90. Em seus anos de velhice compreendeu que havia iniciado todo este assunto de psicanálise e que as pessoas ainda continuavam a procurá-lo e foi um bem-sucedido ancião. Margaret Mead, Buckminster Fuller também são exemplos de pessoas que foram anciãos-sábios. Eles não capitularam, aprendendo a viver sua condição na mais completa plenitude.

Foi ao perceber as dimensões psicológica e religiosa que dei-me conta de um possível programa para "envelhecimento espiritual". Ele consistiria primeiramente do auxílio de um contador e da colaboração de um advogado para organizar todas as contas de banco e um testamento, e que funcionassem como consultores porque ninguém é perito em colocar seus próprios negócios em ordem. Depois haveria alguém responsável por ajudar-nos a colocar nossas relações pessoais em dia. "Conte-me sobre quem foram seus amigos, quem foram seus amantes ? Onde você acha que as coisas estão pendentes, não resolvidas ? O que precisa de tikun, de acerto ? Como você pretende realizar isto ?". Percebi quão importante seria termos terapeutas e conselheiros ajudando a criar este tipo de serviço social. As pessoas poderiam deixar todos os seus negócios em dia, o que permitiria que partissem deste mundo, quando o tempo chegasse, com mais facilidade.

Para aperfeiçoar o conhecimento do "ancião-sábio", uma pessoa deve voltar-se para suas mortes passadas. E é aqui que o trabalho intuitivo contemplativo, filosófico e espiritual precisa der desenvolvido. A grande maioria das pessoas sabe como fazer rodar um programa – sabem fazer listas, escrever cartas, colecionam coisas... mas não aprenderam a ver a vida de forma contemplativa. Não tenho como dizer "sim!" à minha vida se não sei dizer "sim!" à minha morte. Temos que aprender a dizer "sim!" ao que é da ordem do normal (não me refiro às doenças degenerativas precoces) do envelhecimento, e este envelhecer saudável nos torna pessoas especiais.

Para que possamos obter o máximo de nossas vidas entre os 42 e os 63 precisamos de uma visão de como queremos passar dos 63 aos 84. Não há como desenvolver o Outubro, Novembro e Dezembro de nossas vidas se não olhamos de frente para a morte, e não podemos desenvolver o Junho, Julho, Agosto e Setembro, a não ser que olhemos de frente para nosso Outubro, Novembro e Dezembro. O ser humano é feito de tal maneira que precisa olhar desde uma fase até a outra para que sua orientação na vida possa ser saudável. Quando consigo lidar com minha morte sem medo posso fazer valer o meu tempo em Outubro, Novembro e Dezembro.

Uma vez que aceitemos isto, podemos Ter uma vida abundante e de muito divertimento. Podemos então seguir nossa bem-aventurança. Todas as opções que eu não tinha quando estava no mundo do fazer abrem-se como nunca antes se haviam aberto.

Nas Selichot rezamos : "Não nos abandone quando envelhecermos, quando minguarem nossas forças não nos ignore. Então suplicamos: não nos afaste de Tua presença e não arranque de nós o Espírito de Tua Santidade."

Jogo de palavras com o vocábulo aging – envelhecendo – e o verbo construido do adjetivo sage – sábio – (saging – tornando-se sábio).

Leva aproximadamente 28 anos para que Saturno retorne a mesma posição num mapa astrológico, representando como se um nascimento.

Conceito oriental que divide a vida em quatro estágios.
1) Brahma – estágio do aprendiz;
2) A dedicação a família e o sustento;
3) Filhos crescidos e o casal retira-se para a floresta; e
4) Sanyasse – Peregrino – o que aprende a renunciar ao corpo.


Reb Zalman é líder espiritual do movimento Renewal e fundador do movimento de Chavurot.

 

 
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