SOLTEIROS
em busca de uma nova definição de completude


 

 

Todos nós crescemos como filhas e filhos em famílias judaicas na expectativa de que algum dia teríamos nossos próprios filhos e filhas em nossas próprias famílias. Aprendemos que o judaísmo era uma tradição centrada na família que havia sido perpetuada através do modelo da família nuclear. Entramos para a universidade sabendo que ao longo do caminho ou depois dela, o próximo passo deveria ser, naturalmente, o de nos casarmos e começarmos nossas próprias famílias. Porém, aqueles que não deram este próximo passo, ou que escolheram deferi-lo por algum tempo, encontraram-se momentaneamente no limbo. Na medida em que o judaísmo é uma tradição centrada na família, as pessoas que não se vêem como parte de um família não encontram modelos para expressar seu judaísmo. Uma vez que os solteiros não são definidos primordialmente nem como filhos de seus pais, nem como parte de um casal ou de uma nova família, eles não se encaixam na comunidade judaica. Com cada vez mais pessoas escolhendo casar mais tarde ou permanecerem solteiras e , conforme cada vez mais pessoas se tornam solteiras novamente após um período de casamento ) seja através de divórcio ou por morte do cônjuge), a questão dos solteiros na comunidade judaica deve se tornar cada vez mais proeminente daqui para a frente.

Existirá um lugar para os solteiros na vida judaica? Para examinar essa questão devemos olhar para a imagem judaica do casamento. A tradição afirma claramente que o casamento é necessário para se levar uma "vida boa": ele é visto pelo judaísmo como o paradigma da completude.

Uma exceção famosa ao modelo de casamento como o único modo de vida aceitável é o do sábio talmúdico Bem Azai. Quando foi confrontado pelos seus colegas sobre seu status de não casado, Bem Azai se desculpou dizendo: "O que posso fazer? Estou apaixonado pelo estudo da Torá! O mundo será perpetuado por outros."(Ievamot 63b). Embora o peso da tradição argumente que o exemplo de Bem Azai não é para ser emulado, ele oferece o insight de que nem todas as pessoas podem se realizar no casamento. Seu exemplo nos encoraja a redefinir o conceito tradicional de completude: ao isolar os objetivos do casamento, podemos descobrir modelos alternativos de completude.

Quais são os elementos de uma vida judaica completa? Tradicionalmente, o casamento era visto como o caminho para se assegurar os elementos essenciais de 1) procriação, 2) companheirismo e 3) de se evitar sexo ilícito. Mas esses três componentes da completude podem ser redefinidos como 1) compromisso com a sobrevivência judaica, 2) relações humanas satisfatórias e 3) atividade sexual moral ( ou evitar atividade sexual imoral). Estes três valores inerentes ao casamento judaico tradicional podem ser mantidos numa variedade de padrões e escolhas de vida, como veremos a seguir.

COMPROMISSO COM A SOBREVIVÊNCIA JUDAICA
Certamente a centralidade da procriação como objetivo do casamento reflete a preocupação da tradição com o futuro do povo judeu. Considerando a baixa taxa de natalidade judaica e a alta taxa de assimilação e casamentos mistos, há uma preocupação justa sobre as garantias do futuro judaico. Entretanto, é um grave erro concentrarmos nossa preocupação somente nas taxas de natalidade, como os líderes judeus tendem a fazer, pois certamente precisamos enriquecer a qualidade da vida judaica hoje para que possa haver uma vida judaica significativa nos próximos anos. As pessoas que escolhem não ter filhos, mas contribuem para a vida judaica de alguma outra forma, como educação judaica, estudo, serviço à comunidade e tantas outras, estão desempenhando tarefas vitais para a construção de um futuro judaico, as quais não poderiam conseguir desempenhar se estivessem criando suas próprias crianças. Espera-se que uma vida judaica completa inclua algum compromisso ativo para com a sobrevivência da tradição judaica, mas deve-se afirmar e valorizar toda a miríade de formas de se expressar este compromisso.

Além disso, existe a pressão moral que pode ser muito dolorosa. Há uma desaprovação especial dirigida a todas as mulheres judias que não tiveram filhos e, pior ainda, uma mentalidade do tipo "a culpa é da vítima" por detrás de todas as críticas a mulheres judias que nunca se casaram, mesmo as que estão procurando ativamente pelo que uma mulher descreveu com "um mentsh para casar". As mulheres solteiras são acusadas de "escolherem demais" ou de estarem "envolvidas demais com uma carreira". O Talmud diz, "Um homem deve construir uma casa, plantar um vinhedo, e depois disso casar". As mulheres judias não podem arrumar suas vidas nesta ordem. Os interesses numa carreira por parte da mulher ainda parece, para muitos, mais uma ameaça à sua condição de casadoira do que uma parte essencial do padrão de vida de um adulto maduro de qualquer sexo.

COMPANHEIRISMO

O segundo elemento do ideal tradicional de casamento é o companheirismo ou relacionamento. Embora no passado o estado de casamento possa Ter sido o caminho mais efetivo para se obter relações compromissadas, isto certamente não é mais verdade para um grande número de pessoas. As opções na área são tão variadas e mudam com tanta freqüência que um exame mais completo se torna impossível aqui. Dentre os modelos utilizados hoje em dia, estão: 1) uma relação próxima de compromisso com uma pessoa central, do sexo oposto ou do mesmo sexo. Esta relação pode envolver ou não intimidade sexual, uma conta conjunta ou viver juntos; 2) a relação d um indivíduo com um grupo de pessoas, sejam família, uma comunidade, um grupo de amigos, uma chavura ou algum grupo judaico comunitário; 3) uma variedade de relações significativas com uma variedade de pessoas, experimentadas em série ou simultaneamente, possivelmente envolvendo relações sexuais também.

Relacionar-se num nível significativo é essencial para uma vida judaica completa. Porém, o estilo do relacionamento deve ser determinado pelo indivíduo, tentando sinceramente incorporar valores e a ética judaica em sua vida. As perguntas importantes a serem feitas sobre relacionamentos não são se eles são maritais ou não, mas sim se são morais; se preenchem as necessidades e aspirações da pessoas envolvidas e se são válidos judaicamente.

O que é uma relação moral válida judaicamente? Esta questão é central para nossas vidas e merece ser explorada com cuidado.
Pode-se delinear somente alguns elementos aqui: respeito pela outra pessoa e por si como figuras à imagem de Deus, atenção, responsabilidade, sensibilidade, amar ao outro como a si mesmo, cuidar da vida de todas as pessoas envolvidas. Estes elementos são essenciais em todos os relacionamentos judaicos e toda e qualquer relação que apresenta estas características deve ser vista como sagrada. Usando este critério, muitas relações não-maritais são judaicamente completas, enquanto que muitas maritais não o são, apesar das sanções do Estado e do rabinado.

EVITANDO COMPORTAMENTO SEXUAL ILÍCITO

Considerando nosso critério de relações morais discutido acima, devemos separar as relações sexuais em morais ou imorais ao invés de lícitas ou ilícitas. O campo da ética sexual judaica é complexo e não se presta a respostas fáceis. Porém neste campo, talvez mais que em qualquer outro, precisamos dar atenção às necessidades e sensibilidades individuais. As leis sexuais judaicas estão sendo questionadas hoje em dia, em parte porque muitas delas se baseiam em crenças sobre a natureza da mulher que são inaceitáveis. Nossas vidas e valores são tão diferentes das dos nossos antepassados que esta área deve ser submetida a um exame completo pelas nossas melhores mentes e almas até que possamos chegar a um entendimento aceitável de como nossa sexualidade deve refletir nosso judaísmo. É possível começar, no entanto, pela premissa de que uma relação na qual cada um considerasse a si e aos outros como a imagem de Deus e agisse baseado nesta premissa, possa ser a base para uma investigação.

Uma questão que deve ser levantada é a de se uma relação heterossexual - ou mesmo uma relação sexual é uma condição sine qua non para a completude judaica. Um dos elementos da visão tradicional do casamento era o de que homens e mulheres são diferentes e incompletos um sem o outro , só encontrando completude ao se unir às suas contrapartes.. Esta questão é profunda e complexa e não pode ser esgotada aqui. No entanto, sabemos que, nos últimos anos, homens e mulheres vêm descobrindo e explorando partes de si que eram consideradas inapropriadas no passado. As mulheres estão aprendendo a lidar com seus atributos "masculinos" e os homens estão começando a desenvolver e valorizar os aspectos "femininos" de sua personalidade. Pode ser que, com o tempo, possamos encontrar masculinidade e feminilidade complementares dentro de nós, dentro de um grupo e dentro de uma série de relações cujas combinações e possibilidades ainda nos são desconhecidas. Se isto acontecer, então, não será mais verdade que cada um d nós só pode se completar através de uma união com o sexo oposto, mas sim que pode encontrar suas contrapartes e obter completude de uma infinidade de modos.

O processo de reestruturação das instituições judaicas precisa caminhar de mãos dadas com uma abertura de pensamento acerca todas as opções válidas judaicamente.

Obviamente, as pessoas que escolhem se casar devem ser encorajadas a fazê-lo, pois o casamento é certamente um modo ( e o mais aceito ) de se viver uma vida completa.

Entretanto, aquelas que escolhem não se casar, que adiam o casamento, que estão solteiras contra a sua vontade ou que não estão definidas precisam ser integradas, sentir-se parte integrante da comunidade. Este processo é um processo de reeducação e reavaliação para todos, casados ou solteiros.

Compilado e adaptado a partir de dois artigos: "Single and Jewish: Toward a New Definition of Completeness" de Laura Geller e Elizabeth Koltun, In the Jewsh Woman - New Perspectives, editado por Elizabeth Koltun, Schocken Books, 1976, e "To Be Single, Jewish and Female"' In Jewish and Female, de Susan Weidman Schneider, Simon and Schuster, 1984.
C. S.

 

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