BRIT MILÁ
Daniel Becker - Mohel


 

 

Uma cena que se tornou familiar (em muitos sentidos) nestes 4 anos, mas cada vez mais emocionante: o olhar dos pais ao me entregarem seu filho, depois de 8 dias de uma relação tão intensa de cuidado e carinho. Um estranho, na maioria das vezes, que vai, de alguma maneira, impor um desconforto àquele bebê tão querido. Um olhar que diz muito: angústia, alegria, medo, confiança, orgulho; mas sobretudo, entrega.

Qual será a razão de um gesto extremo como este? Porque ele é tão universalmente aceito entre as famílias judias? De onde vem essa força que sustenta os braços de um pai que entrega seu filho ao mohel?

É sobretudo através das mitzvot que nós, judeus, nos relacionamos com o Sagrado em nossas vidas. Estas ações, ou mandamentos, nos transformaram de um bando de escravos vagando num deserto em uma comunidade viva na História. Eles ordenam nosso cotidiano e os momentos especiais que vivemos, e traduzem uma espiritualidade que se caracteriza sobretudo por uma postura ativa: é através da prática que nos tornamos sagrados. A cada Shabat, a cada refeição, a cada oração, a cada gesto de nosso dia, renovamos nossa consciência e nosso compromisso com D’us.

O Brit Milah marca indubitavelmente o início deste compromisso. É a primeira mitzvá na vida de um judeu; a única a ficar gravada em seu corpo. Muitos rabinos dizem que é a mais importante: ora, a soma dos valores numéricos da palavra Brit em hebraico é 612, sugerindo que a Milah por si só teria o valor de todas as outras mitzvot em conjunto (são 613 no total). Tão profundamente marcada em nossa alma que mesmos nos momentos mais dramáticos de nossa história, como durante o domínio grego, na Inquisição, nos campos de concentração nazistas e nas prisões soviéticas, judeus arriscaram suas vidas e as vidas de seus próprios filhos para se manterem fiéis ao Brit Milah - a Aliança de Avraham. Mesmo as famílias mais profundamente assimiladas, muitas vezes sem compreender porque, mantinham a circuncisão como único elo com a tradição judaica.

A história, as leis e a prática do Brit Milah são extremamente ricos em significados. Em primeiro lugar, ele pode ser visto como um ritual de iniciação, de entrada na comunidade judaica. É o selo da Aliança, através da qual reconhecemos D’us e nos comprometemos com Sua Palavra; desta forma nos tornamos sagrados, e recebemos Suas promessas de vida e fertilidade. E nos conectamos a uma corrente que une virtualmente todos os homens judeus desde Avraham até nosso filho, ali, pequenino e frágil, diante de nós. Essa é uma forma muito intensa e profunda de receber uma criança e de lhe transmitir o pertencimento a uma família e a um povo.

O Brit está também relacionado ao crescimento pessoal, questão central no judaísmo. Conta o Midrash que certa vez um governador romano perguntou a Rabi Akiva, "Se D’us realmente deseja que as crianças sejam circuncidadas, porque elas já não nascem assim? O sábio lhe mostrou então espigas de trigo, e logo em seguida, pães assados. E disse: "D’us deu leis e mandamentos a Israel para que nos purificássemos através deles". Para a tradição judaica, a missão do homem é aperfeiçoar o mundo que lhe foi dado pelo Todo-Generoso Criador, mas essa tarefa começa por si próprio. O Brit Milah simboliza o primeiro passo nessa jornada, nos abrindo as portas em direção ao Sagrado. Para o judeu, o ritual da circuncisão representa o início de um trabalho - este "processamento" diário de trigo em pão - que o acompanhará por toda sua vida: o do desenvolvimento espiritual.

Um Brit Milah é, portanto, muito mais que uma cirurgia. É claro que nos dias de hoje ele deve ser realizado com todos os mais avançados cuidados técnicos. É preciso que o Brit seja seguro, e também que haja a preocupação de causar o menor desconforto possível à criança. Com as técnicas disponíveis hoje em dia, ambos os objetivos podem ser alcançados. Mas ele pode ser vivido também como um momento de grande emoção, onde expressamos gratidão pelo milagre que representa um filho recém-nascido, e pedimos para ele bênçãos de uma vida de paz, amor, saúde e grandeza espiritual. Como um ritual intenso, que reúne as dimensões de passado, presente e futuro, conectando o recém-nascido e a família ao Tempo e à História.

Mais do que tudo, o Brit Milah é um ato de fé. A palavra hebraica para fé, Emunah - traduzida também como confiança - expressa melhor este significado. Ao entregar um filho ao ritual do Brit, o judeu reconhece uma dimensão da vida que é maior que todos nós, e na qual estamos todos imersos. Neste momento, todos, dos mais afastados aos mais religiosos, nos igualamos a Avraham em Har HaMoriah. Neste momento estamos dizendo também: acredito; reconheço; entrego. Está escrito em nosso olhar.

 

 
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