ACENDENDO UMA LUZ PARA D'US


 

 

Os Sábios do Talmud comparam a alma humana e a Torá a um candeeiro num comentário sobre a ordem de Deus a Moisés para que instruísse os israelitas para trazerem "'oleo puro de azeitonas prensada" para manter o candeeiro do Santuário sempre aceso ( Ex.27:20).

Em relação à alma, o Midrash (Shmot Raba 36:3) cita Provérbios 20:27: "A alma humana é a luz de Deus." Em relação à Torá, cita Provérbios, 6:23: 'Pois a mitzvá (boa ação) é um candeeiro e aTorá é a luz .

Ö Midrash elabora este conceito: o que significa dizer que "a mitzvá é um candeeiro"?

Quando você pratica uma mitzvá, é como se acendesse uma luz para Deus e refrescasse sua Alma . E o que significa "a Torá é luz"? "Freqüentemente a pessoa tem inclinação de fazer uma mitzvá, mas o Mau Impulso lhe diz: "Por que se dar ao trabalho? Dê o dinheiro aos seus antes de dar para os outros!"E o Bom Impulso lhe diz: "Faça uma mitzvá porque a "mitzvá é um candeeiro"e assim como um único candeeiro aceso pode emprestar fogo para acender milhares de candeeiros sem diminuir sua própria luz, assim sua carteira não diminuirá quando você der com o propósito de uma mitzvá."

Esta é uma utilização metafórica tipicamente judaica (dentre muitas) de candeeiro, fogo, luz: presença central na observância do Shabat e as outras festas; um objeto crucial no Santuário ( a Chama Eterna)e desde a destruição do Templo um objeto central da sinagoga; um aspecto central da observância de Chanucá e o emblema do renascimento do Estado judeu.

Na cultura ocidental-helênica, o ser humano não estava destinado, originalmente, a possuir o segredo do fogo. Segundo Hesíodo ( Teogonia , século VIII antes da era comum (a. E.C.)), Prometeu tenta enganar os deuses. Zeus sabe disso, mas odeia tanto os seres humanos que se permite ser enganado só para se vingar, proibindo aos mortais o uso do fogo. Prometue rouba o fogo do Olimpo e o leva para os humanos, junto com as artes e trabalhos manuais e intelectuais.

Este é um dos modos de se olhar a relação entre Céu e Terra, entre o Divino-Imortal e os mortais e a aquisição do fogo pelos humanos e o conhecimento de seus vários usos.

Zeus decide infligir aos humanos um castigo equivalente em magnitude ao privilégio de terem o fogo. Ele faz com que Hefestos crie a mentirosa Pandora e com que o irmão de Prometeu , Epimeteu, se apaixone e case com ela. Como dote, Pandora traz sua caixa de infortúnios, que é aberta, soltando sobre os humanos todo o tipo de maldades, problemas e doenças; embora a Esperança também esteja na caixa, esta é fechada antes que ela escape. Além disso, Zeus amarra Prometeu com grilhões inquebráveis a uma rocha e designa uma águia para comer seu fígado todos os dias, fazendo com que o fígado cresça novamente todas as noites.

Pois Zeus de um modo bem helênico expressado nos eventos que levaram aos acontecimentos de Chanucá, desejava destruir a humanidade e criar uma raça perfeita em seu lugar. Prometeu acreditava na humanidade, considerava-a capaz de infinito desenvolvimento e decidiu ajudá-la a se desenvolver. Isto aos olhos helênicos, era uma presunção pela qual Prometeu mereceu uma terrível punição.

Este é um dos modos de se olhar a relação entre Céu e Terra, entre o Divino-imortal e os mortais e a aquisição do fogo pelos humanos e o conhecimento de seus vários usos.

Os sábios do Talmud indicam um outro modo, numa agadá (história) contada em diferentes lugares e versões. Aqui está uma composição:

A Luz da Criação brilhou por 36 horas consecutivas na primeira sexta-feira e Shabat, de modo que Adão e Eva, criados na sexta à tarde, não experimentaram a escuridão daquela primeira noite de sexta. Quando o sol começou a se pôr e a escuridão começou a cair ao final do Shabat, ambos ficaram aterrorizados. Então Deus pegou duas pedras e bateu uma na outra, produzindo o fogo. Adão e Eva fizeram o mesmo e quando o fogo cresceu, abençoado a Deus, "Criador da luz do fogo".

O fogo é a temática da história de Chanucá: o fogo da menorá de sete braços no Templo em Jerusalém do qual os sacerdotes cuidavam, o qual os helenos selêucidas da Síria extinguiram e o qual os sacerdotes-guerreiros da linhagem dos hamoneus, liderados por Judá , o macabeu, reacenderam há 2.152 anos.

"O que é Chanucá?", perguntam os sábios do Talmud (Shabat 21b). Eles o fazem de passagem, em meio a discussão acerca de leis relativas ao acender de velas, numa das poucas referências a esta festa, que é a mais longa e provavelmente a mais popular das festas judaicas.

No aniversário do dia em que os gentios o profanaram ,naquele mesmo dia ele foi rededicado... Eles celebraram a rededicação do altar por oito dias.

A resposta vem da Meguilat Taanit ("O Livro do Jejum"). Escrito em Erettz Israel no período mishnaico cerca de dois séculos depois dos acontecimentos de Chanucá ( no meio do século II ªE.C.), este é um catálogo de todo os meses e dias do calendário judaico nos quais é proibido jejuar e ficar de luto por causa de algum acontecimento feliz do passado:

"Em 25 de Kislev começam os dias de Chanucá, oito dias....Quando os gregos entraram no Santuário do Templo, contaminaram todo o óleo. Quando os hasmoneus os derrotaram, procuraram e só encontraram um pequeno frasco de óleo com o selo do Sumo Sacerdote. Este frasco continha óleo suficiente para queimar durante um dia apenas, mas aconteceu um milagre e ele durou oito dias . No ano seguinte, estes dias foram declarados um feriado a ser celebrado com a declamação do Halel e de orações dando graças.

Ao que parece, a menorá do Templo não pôde ser utilizada por Judá. Segundo a Meguilá Taanit e várias outras fontes talmúdicas, ele usou oito (sete segundo uma das versões) pedaços de ferro, os quais primeiro cobriu com chumbo.

Agora, aqui ainda não temos o conceito de "dedicação' ou ïnauguração"que é o que a palavra Chanucá significa. Para issi nos voltamos para I Macabeus 4:52-59:Ëntão, na manhã do 25 dia do nono mês, o mês de Kislev, no ano 148 (da era Grega; 164 a.E.C.) um sacrifício foi oferecido tal como a Torá ordena (Ex. 20:25;Deut.27:5-6) no recém construído Altar de Sacrifícios. No aniversário do dia em que os gentios o profanaram, naquele mesmo dia ele foi rededicado... Eles celebraram a rededicação do altar por oito dias....Então Judá, seus irmãos e toda a congregação de Israel decretaram que a rededicação do altar deveria ser celebrada no mesmo período todos os anos, por oito dias, começando em 25 de kislev, com júbilo e alegria."

Assim, vimos que Chanucá não celebra uma vitória militar. Na verdade, a luta contra os selêucidas sírios estava longe de terminar. Chanucá celebra a vitória dos judeus tradicionalistas - tanto no sentido quanto no nacional, político - sobre os judeus modernistas, principalmente aqueles da classe dominante da Judéia, representando o poderoso universalismo assimilador daquele tempo, o helenismo. Elias Bickerman demonstra convincentemente ( em From Ezra to the Last of the Maccabees e The Maccabean Uprising) que naquele ponto, a luta contra os suseranos selêucidas da Judéia era secundária.

O tradicional arquivilão da história de Chanucá, Antiochus IV, governador do império selêucida, originalmente não tinha uma política tipo Stalin de acabar com os cultos e costumes locais. Ele somente requeria que as populações subjugadas acrescentassem uma certa obediência aos deuses helênicos.

Só isso já criaria conflito entre os judeus, seguidores do Deus sem forme e sem nome, e os helenos. Mas o choque se deu naquela época, porque os helenizadores judeus conseguiram que Antiochus banisse, sob pena de morte, o estudo e observância da Torá, especialmente a circunsição e o Shabat e ordenasse os a oferecer o desprezado porco como sacrifício. (A Meguilat Taanit também alude à prática pelo governador militar selêucida da Judéia da jus primus noctis em noivas judias como uma causa adicional do levante hasmoneu).

O helenismo era uma cultura supra-nacional baseada na Razão e na fé na Razão.

Foi então que sob a instigação daqueles "apóstatas"( como Bickerman os chama) que Antiochus embarcou numa política tal que levou Jean Bodin, o pai da ciência política moderna ( século XVI), a caracterizá-la assim: "Embora os tiranos sempre pratiquemas mais terríveis crueldades para com os subjugados nenhum tirano antes de Antiochus considerou permissível designar comandos à alma humana."

Bickerman vai além e escreve que Ö helenismo era uma cultura supranacional baseada na razão e na fé na razão. Assim, o efeito imediato que tinha sobre todos os povos que abarcava era de romper a tradição."

"Romper a tradição"... Mefistófeles, concordando com o estudante que não gosta de jurisprudência, lhe diz: "As leis e estatutos de uma nação/são uma doença herdada"(Fausto, de Goethe). Ele continua:" Ser um neto é uma maldição/ o direito que nos é inato/ não é discutido pela profissão."

A ética da família modernista é a conseqüência lógica da aceitação da crença de que ser neto é uma maldição. Se a vida gira somente em torno da satisfação sensual imediata, então a vida não tem sentido e não é nada mais que a busca do poder e o instrumento para se obter satisfação. Nesta busca a pessoa, a individualidade, o nome, alma, mente, memória e esperança nada significam. Então, o resto do mundo todo consiste somente em objetos a serem explorados por quaisquer métodos para a obtenção de poder e satisfação.

A humanidade objetificada, abstraída e universalisada contém gente, mas não pessoas - n ào tem rostos, nem nomes, nem amor, nem a "maldição" de ser avô ou neto, nada de "doença legada" no sentido de nação com leis e estatutos, sem memória e sem esperança.
Isto, em última instância era o que o helenismo buscava. Isto é o que os universalismos buscam. No final eles exigem total e absoluta submissão e procuram a mesmice e a nulidade no aqui-e-agora.

Porém os hasmoneus foram uma pedra no caminho dos helenizadores, como representantes de uma torá um caminho- que valoriza a individualidade e o esforço acima da perfeição.( O judaísmo contém bençãos reconhecendo as diferentes variedades dos seres humanos e todas as outras variedades da criação.)

Os hasmoneus foram uma pedra no caminho do helenizadores, como representantes de uma Torá -um caminho- que valoriza a individualidade e o esforço acima da perfeição.

"O povo judeu", escreve Iacov Herzog ( A People That Dwella Alone), "confrontou-se com cada estado, idéia ou movimento que alega representar um ideal universal".

Assim, embora a revolta dos hasmoneus tenha sido deflagada por uma legislação religiosa específica, ele era dirigida contra as tendências conformistas dos judeus helenizados e contra as exigências totalitárias de Antiochus . Em última análise, ela foi uma revolta contra uma tentativa de forçar um povo a apagar sua face , seu nome, sua individualidade, sua memória e esperança.

O poeta francês Baudelaire caracterizou o povo judeu como "bibliotecários... testemunhando a Redenção ". Acredito que por "bibliotecários" ele tenha querido dizer, como Mohamed, os guardiões da Torá.

Se o povo judeu, que permanece vivo hoje em dia porque seus antepassados hasmoneus tomaram a posição que tomaram pela Torá, é alguma coisa, ele é um povo com memória e esperança, sem as quais não há Redenção. Como membros da raça humana universal, nossa memória data da Criação, a Criação com propósito. Como uma família particular de humanos, ela data da memória de um avô, Abraham, e sua libertação pessoal do totalitarismo e o conformismo da Caldéia e sua aliança subseqüente com o Deus único; da nossa libertação nacional do totalitarismo e conformismo no Egito pelo Deus único e do nosso encontro nacional de aliança com o Deus Único no Sinai.

Nossa esperança se estende para o futuro em direção à Redenção Final da nossa nação e de todas as outras nações - de todos os netos e netas da humanidade. Esta será uma verdadeira redenção universal, porque será a redenção de todas as particularidades:

"Todas as nações andarão cada qual em nome do seu deus e nós andaremos em nome de Deus nosso deus para sempre"(Micah 4:5).


Traduzido do The Jerusalem Post Magazine - 2 de dezembro de 1988.

 

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