Parashá PINHAS - Pédica do Rabino


Em nenhum outro momento da história dos judeus foi tão difícil a leitura de par’shat pin’khas. Isto porque esta é sua primeira leitura desde o atentado que tirou a vida do primeiro ministro de Israel, Its’khak Rabin z"l. Pin’khas é um homem que, tomado pela paixão a seu povo, mata um príncipe de Israel e sua mulher midianita. Logo após a declaração dos juizes de Israel proibindo a aculturação dos hebreus através de casamentos que estavam propiciando sua participação em festividades e rituais idólatras ao deus Baal-peor, Zim’ri ben Salu os desafia aparecendo publicamente com sua mulher.

Tratava-se de um momento de urgência onde medidas de exceção estavam claramente sendo tomadas. Os hebreus tinham uma missão a cumprir na conquista da terra que, em vários aspectos, era de ordem militar e que lhes exigia grande disciplina. Não apenas isto, mas a Torá nos relata sobre uma praga que assolava o povo, atribuída a sua má conduta, o que poderia também melhor explicar o ato "patriótico" e de "cidadania" de Pin’khas.

O que é assombroso não é a perspectiva humana que percebe a realidade de maneira tão comprometida com seus próprios limites que não tem como transcendê-la. O que nos arrepia é o fato de que o início de nossa parashá é marcada pela recompensa divina que não apenas reconhece nele, Pin’khas, um sacerdote, mas lhe oferta um Pacto de Paz. Tanto mérito para um homem que de forma passional toma a justiça em suas mãos? Como falar desta parashá e não ficarmos assustados diante do paralelo com o patético assassino de Rabin? Como podemos recompensar atos profundamente extremistas?

Todo a obra de Maimônides no campo da ética é baseada no que ele chamava de a "senda de ouro". E qual é este caminho ideal? É aquele que escapa aos extremismos e que busca os caminhos moderados. Este caminho mediano entre extremos é por Maimonides considerado como a meta tanto do judaísmo como da sensibilidade humana.

Ao mesmo tempo, em oposição absoluta a esta colocação, encontramos a perspectiva Rebbe Menachem Mendel de Kotzk. Quando este foi questionado do porque de ser tão radical e extremista convidou a seu inquisidor que se aproximasse da janela e disse: "Você vê? Os dois lados da estrada são para os seres humanos; apenas os cavalos transitam pelo meio!". Para o Kotzker Rebbe, o caminho dos moderados, a mediatriz entre os extremos, é a "senda dos cavalos".

O rabino Adin Steinsaltz em seu artigo "A Senda de Ouro e o Caminho do Cavalo" versa sobre esta controvérsia com grande profundidade. Ele persegue compreendê-la à luz de que divergências de opiniões são possíveis, mas não a este nível de se oporem radicalmente. É verdade que as figuras de Maimonides, racional e equilibrado, e do Kotzker Rebbe, impulsivo e tempestuoso, eram bastantes distintas em personalidade, mas como harmonizar duas visões tão distantes?

Se em teoria o "caminho do meio" nos parece mais equilibrado e maduro, falando em termos psicológicos o Kotzker Rebbe tem razão – qual é o ser humano que verdadeiramente tomado por uma profunda intenção e sedento pelo sagrado, que pode deixar de ser passional e extremista? Como estar apaixonado e ser moderado?

O "caminho do cavalo" representaria a postura daquele que não tem força de vontade. Aquele que não consegue encontrar forças para devotar-se totalmente a alguma coisa. Sempre em cima do muro, tentando agradar a todos, acaba não agradando ninguém. Submetendo-se às pressões de cada extremo, o "caminho do meio", faz concessões absurdas a ambos os extremos. Seu caminho é mais do que do meio, é medíocre, como o dos cavalos.

O rabino Steinsaltz nos desperta para o fato de que a "senda de ouro" de Maimonides, o caminho moderado, não é meramente a mediana entre os extremos, mas a fusão dos extremos. A "senda de ouro" não é o ponto médio, só pode ser experimentado desde a aderência ou pertinência a um extremo. Numa dada situação, a "senda de ouro" pode coincidir com a trajetória do "caminho do cavalo", mas o primeiro é o caminho que teme e evita a controvérsia, o último, por sua vez, banca e se enriquece na controvérsia.

Talvez o que leva D’us a recompensar Pin’khas seja o reconhecimento que desde a paixão somente será possível chegar-se a uma "senda de ouro". Mas para tal, não apenas recompensa, mas tempera esta paixão com um pacto muito específico: um pacto de paz. O profundo sentimento de Pin’khas pode ser o elemento mais destrutivo de nossa natureza, mas se temperado com um compromisso absoluto com a paz e com a serenidade – não só evitariam suas atitudes extremistas – mas abririam caminho para o que de mais construtivo existe – nossas paixões.

Quanto àquele que na prisão cumpre pena por sua paixão, saiba ele que "o caminho do cavalo" é justamente aquele de quem evita a controvérsia. No seu caso "eliminar a controvérsia" foi levado a seu estágio final, mais sofisticado – matar e silenciar a voz que se lhe opunha. É, portanto, o que de mais cavalo pode existir na "senda dos cavalos".


PARASHÁ