JUDAÍSMO E TERCEIRO MUNDO

Bernardo Sorj


 

 

Introdução

O século XX deslocou o povo judeu da periferia para o centro do sistema capitalista, num processo ainda em curso e cujos custos culturais e políticos só serão sentidos nas próximas décadas.

No fim do século passado, as grande comunidade judias se concentravam na Europa Ocidental. Estas comunidades, da mesma forma que a maioria dos núcleos judeus nos países árabes, eram extremamente pobres e socialmente estigmatizadas. As coletividades nos Estados Unidos e Europa Ocidental, ao contrário, eram menores, mais burguesas e integradas no sistema político.

No meio desta polarização as comunidades da Europa Central - Alemanha, Austro-Hungria-, viviam as dificuldades das próprias culturas nativas de absorver a modernidade, assim como eram o ponto de passagem, encontro e confronto dos judaísmos oriental e ocidental. A riqueza destes conflitos produziu as grandes doutrinas e personalidades que orienta o judaísmo pelo resto do século.

A imigração iniciada na segunda metade do século passado e o holocausto, por um lado, e os efeitos políticos no Estado de Israel - a saída dos judeus dos países árabes -, por outro, modificaram totalmente o perfil demográfico e social do povo judeu. Hoje, a maior comunidade ( 40% do total do mundo) se localiza nos Estados Unidos, seguida pelas concentrações em Israel, Europa Ocidental e União Soviética.

Os dois judaísmos que poderiam ser um contraponto cultural ao judaísmo ocidental, o da União Soviética e o de Israel, por motivos diferentes não conseguiram até agora, cumprir este papel. Na União Soviética, a opressão cultural não permitiu o desenvolvimento de um judaísmo que teria um rico passado para se nutrir e um sistema social diferente para formular uma síntese própria. Israel, localizado no meio de uma região subdesenvolvida e com mais da metade de sua população originárias de países não europeus, deveria ser a ponte natural para o Terceiro Mundo e geradora de uma nova cultura judia. No que se refere à relação com o Terceiro Mundo, os efeitos foram inversos: se , na primeira década do Estado de Israel, ele aparecia como uma promessa e um exemplo para outros países em desenvolvimento, a situação política foi invertendo este quadro ao ponto de transformar o "terceiro mundismo", nos organismos internacionais, em sinônimo de posição anti-Israel. Com respeito à criação cultural, a difícil relação com o meio circundante, absorção em posições subordinadas dos judeus dos países árabes, o contexto de uma sociedade militarizada e o seu curto período de existência não ajudaram Israel a cristalizar, até agora, uma cultura judia nova, diferente e atraente para o judaísmo ocidental.

A América Latina restou como a única região do Terceiro Mundo com uma população judia relevante. As comunidades do continente que poderiam ter um papel importante no enriquecimento cultural e político do judaísmo, através de uma interação criativa com o meio ambiente, se encontram, porém, numa situação precária e defensiva. Em constante involução demográfica, colonizada ideologicamente por correntes religiosas centradas nos Estados Unidos e em Israel, com instituições comunitárias temerosas e conservadoras, o judaísmo latino-americano corre o risco de desaparecer demograficamente - como aconteceu ou está acontecendo em Cuba, América Central e países andinos - e culturalmente.

O esforço institucional para preservar o judaísmo latino-americano - basicamente escolas, organizações juvenis - visou a preservação do lado judeu e não do desenvolvimento de um judaísmo latino-americano. O fracasso do esforço das instituições judias não é alheio a este fato: a dificuldade de unir a educação judia à experiência de ser parte de um país com o qual o jovem judeu se identifica e, dentro do qual, deseja viver e participar. As raízes da pobreza cultural do judaísmo latino-americano - com a exceção relativa da Argentina na primeira metade do século -exigem uma análise que foge dos limites desta introdução. O que nos interessa nos aprofundar em particular, porém, são os possíveis fatores e ações que poderão viabilizar o surgimento de um judaísmo brasileiro, enriquecedor e enriquecido pela sua interação com as tradições culturais locais.

Bernardo Sorj é historiador formado pela Universidade Hebraica com doutoramento em Sociologia na Inglaterra e membro do Programa de Judaísmo do ISER

ISER

O Instituto de Estudos da Religião (ISER) é uma organização não Governamental, apartidária e sem fins lucrativos, formada de estudiosos da religião e ciências sociais, que promove o estudo das religiões e o ecumenismo. O Programa de Judaísmo, coordenado pelo Rabino Nilton Bonder, visa a estudo das relações entre Judaísmo, Modernidade e Terceiro Mundo.



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