ABERTURAS PARA A LUZ DIVINA

Moshé ben Asher*


 

 

Um enorme desafio com que nos deparamos como povo de D’us é o transformar nossa sociedade. Para que a sociedade reflita a imagem de D’us, precisamos nos afastar dos valores distorcidos da burocracia governamental e corporativista e nos concentrarmos nos ideais da democracia.

Mas como podemos fazer isto, quando forças poderosas estão, avidamente, corrompendo comércio e governo e corroendo tantas famílias em nossas cidades?

Muitos nos sentimos desesperançados. Freqüentemente nos sentimos como um ser microscópico dentro de espaço e tempo cósmicos. Embora nossas tradições nos ensinem que temos o poder de consertar o mundo, sentimo-nos impotentes.

Será que há alguma real esperança de que, guiados pela imagem de D’us, podemos transformar nossos bairros e cidades? Será que temos fé suficiente para sustentar esta esperança?

Fé e esperança

A única fé de que precisamos é a nossa capacidade de refletir a imagem de D’us, usando todas as qualidades que Ele nos deu para nos elevarmos ao Divino por definição. Se sabemos que viemos todos da Entidade sem Limites, sem princípio nem fim, então tudo o que fazemos recorre à nossa capacidade, dada pelo Criador, de refletir e santificar toda a Criação Divina, inclusive nós mesmos. Temos fé quando experimentamos poderes dados por D’us (ao mesmo tempo, nosso medo de perder o controle e sentirmo-nos desarmados vem de evitarmos nos relacionar com D’us).

Nossa esperança se baseia naquilo que aprendemos no decurso das nossas carreiras éticas, nossas histórias de conscientemente fazer o que é certo e o que é errado; a esperança, então reflete nossa persistência em fazermos o bem; quanto mais fazemos o bem, mais nos tornamos esperançosos. Isto vai construindo nossa habilidade de refletir, não só diretamente de D’us, mas também através de nosso povo e nossas instituições religiosas.

Fé sem esperança nos leva à inação. Esperança sem fé nos leva a agir fora da nossa Aliança com D’us. A questão é: se temos fé e esperança, o que D’us nos pede para fazer a fim de transformar o mundo? Como vivenciar esta fé e esperança na vida real?

Abertura para a LUZ DIVINA

D’us nos convoca a nos tornarmos charakim. A palavra charach aparece nos Cânticos dos Cânticos. Significa abertura, como um orifício numa parede através do qual podemos ver além, nesse caso, a Luz Divina. Cada um de nós tem a capacidade de se tornar charach – podemos nos tornar uma abertura através da qual as pessoas possam ver a Luz Divina.

A palavra charach é também um acrônimo: a primeira letra, chet, corresponde a chozeh – visionário; a Segunda, resh – Rabi ou professor; a terceira, cuf – cohen, o guarda do espaço e tempo sagrados.

Como chozeh somos chamados a expressar a visão dos Dias do Mashiach (Messias) que a Torá nos legou, principalmente através das palavras dos Profetas. Quaisquer que sejam nossas diferenças, partilhamos nessa convocação, ensinamentos dos Provérbios, que, sem uma visão comum a todos, pereceremos.

Como rabi somos chamados a ensinar aos outros a ligação entre:

a visão dos Dias do Mashiach;
a guarda do Sagrado.
Esta conexão estabelece nossa ação no Mundo, fluindo das Bênçãos e dos Mandamentos de D’us.

Como cohen somos chamados a manter Sagrados espaço e tempo. Sagrado é aquilo que santificamos continuamente. Quando respondemos com sinceridade às Bênçãos e Mandamentos de D’us, em nosso dia-a-dia, criamos caminhos para a ação. Além disso, criamos rituais e liturgias para celebrar e comemorar esta ação. Então, começamos a conhecer e viver à Imagem de D’us e também a ajudar outros a fazerem o mesmo.

Além disso, a Torá nos traz uma visão que transformamos em ação e que então santificamos ritualmente. Porém, não existem somente tradições religiosas com visões e significados determinas, como se D’us as tivesse criado no passado de todos os tempos. Também nós precisamos criar significados e visões para que, no desenvolvimento da história do mundo, a vida humana venha refletir a nossa imagem do Divino Bem.

Todos somos chamados a nos tornar charakim – em conjunto. Começamos a fazer isto quando prestamos atenção na dor de outros membros da nossa comunidade de fé, e partilhamos nossa dor com eles.

Pagamos um preço alto por não nos conhecermos uns aos outros, por não compartilharmos nossas preocupações e esperanças mais profundas e por não trabalharmos juntos nos problemas que temos em comum. Sem nossa ação organizada, como pessoas e comunidades de fé, a perversão da vida social continuará seus caminhos em espiral descendente. Somos, portanto, convocados a ser uma chevrá (grupo) de professores, visionários e guardiões do Sagrado, juntando nosso poder afim de trazer a Luz Divina para o Mundo.

Como indivíduos, não é através de como rezamos ou do que dizemos, que nos tornarmos uma abertura para a Luz, um charach, e sim, através do que fazemos no Mundo junto com os outros para trazer os Dias do Mashiach, um tempo em que toda mulher e todo homem serão fundadores de uma Nação Sagrada e os representantes terrenos do tempo e espaço de D’us. Há um precursor destes Dias na alegria e paz do Shabat. Nossa missão é fazer dos dias de Shabat uma visão transcendental do futuro, procurando mostrar o futuro no presente.

Congregação da fé vivida

Se pretendemos fazer algo sobre os problemas que enfrentamos nos nossos bairros e cidades, precisamos agir em conjunto como charakim, uma chevrá de fé. Como uma Chevrá de Charakim podemos trazer nossa visão e valores para a vida do dia-a-dia.

Como é possível olhar diretamente para doença e morte que nos cercam e não perder a esperança? Como podemos entender a loucura da vida moderna?

Em Kohelet (Eclesiastes), o rei Salomão, como nós, chorou amargamente a loucura à sua volta. "Odiei a vida porque o trabalho que era feito sob o sol me era angustiante. Tudo não tinha sentido, era como tentar segurar o vento" (Ecl. 2:17). Como nós, ele se desesperou diante da corrupção política e da injustiça do seu tempo. "Novamente olhei e vi toda a opressão que ocorria sob o sol. Vi as lágrimas dos oprimidos e não havia quem os confortasse; o poder estava do lado dos seus opressores..." (Ecl. 4:1). Como nós, ele se consolou com bebida e outras diversões desesperadas. "Tentei me alegrar com vinho e farras..." (Ecl. 2:3).

Se, como diz o rei Salomão "tudo é vaidade", como poderemos encontrar esperança?

Kohelet termina com a injunção: "Tema a D’us e mantenha Seus Mandamentos porque essas coisas do homem." A lição de Kohelet é que não estamos sós na luta para manter os Mandamentos de D’us. Qualquer que seja nossa condição na vida, todos partilhamos da dor do momento presente.

E estamos todos igualmente sujeitos ao futuro, quer tenhamos ajudado a moldá-lo ou não. Mas se agirmos em conjunto na Imagem de D’us como charakim, poderemos nos tornar Aberturas para a Luz Divina; poderemos dar forma ao futuro e trazer os Dias do Mashiach. Porque este D’us com o qual nos comprometemos é um D’us de História, é sua Vontade partilhar conosco o poder da co-criação.

Isto não é um fardo a ser temido, e sim um motivo de júbilo. Lembre que "não há tristeza diante do Divino..." (Hagigah, 5b). Assim nos aproximamos de D’us com alegria, a simchá shel mitzvá, nos rejubilando no mandamento que leva a uma vida realizada em D’us.

Mas tudo está ligado à espera, como se lê em Midrash Rabah. Rabi Enoch Zundel ben Josepf de Bialistok (séc. 19) nos lembra que, quando sofremos, temos esperança. Esperança de santificar o Nome Divino, de realizar um feito importante com nossas vidas o qual louva a D’us e à bondade. Esperamos pelos Dias do Mashiach através da nossa vontade de esperar, não passiva, mas ativamente, recusando-nos a desistir. Isto é o chamado dos charakim: trabalhar através de uma visão de tikun olam (consertar o mundo) de estudar e ensinar as bênçãos e os mandamentos da Torá, os quais fazem possível esse conserto, e de santificar nossas ações no mundo com prece e canções.

Não podemos escapar dos problemas da sociedade em que vivemos. Isto é tão real para nós como era para o rei Salomão. Sem D’us não há virtude. Sem virtude não há justiça. Sem justiça não há paz. Sem paz não há humanidade.

A Luz da qual fluem virtude, justiça, liberdade, paz e humanidade é a Luz que os outros vêem quando nos tornamos charakim – visionários, professores e zeladores do Sagrado. A tradição que herdamos é antiga, mas D’us também nos deu a capacidade de reconstrui-la em nossos tempos. Como charakim podemos transformar o mundo.

Nós estamos no comando – e foi D’us quem nos colocou aí!


Moshé ben Asher é um dos fundadores do Aquariam Minyan, Berkeley.

 

 
MENU PONTOS DE VISTA  
PRÓXIMO TEXTO