PAZ E PAIS

Rabino Nilton Bonder


 

 

As fotos de crianças palestinas munidas de pedras diante de soldados israelenses que lhes apontam uma sofisticada arma de fogo é a imagem mais impressionante deste início de século. Mais que Torres desabando, este símbolo me parece mais forte. Os jornalistas pensam reproduzir fotos sobre o fraco que enfrenta o forte, quando na verdade fazem uma radiografia mais profunda de nosso estado civilizatório.

Primeiro devemos desmistificar as fotos. Quem é mais forte e quem é mais fraco? A criança e a pedra primitiva ou a criança de 18 anos fantasiada de uniforme com uma arma automática?

Mais forte é quem está em desvantagem munido apenas de sua fantasia de criança ou o adolescente provocado por um mais fraco e que não atira? Os heróis na verdade são patéticos. Para cada tantas pedras bem colocadas no capacete do soldado ressoando a milenar vitória de David sobre Golias, há uma patética criança baleada vítima de um adolescente que não se conteve. E para cada tantos adolescentes que suportam tamanha provocação e valentemente batem em retirada mesmo quando em vantagem, há um patético adolescente em pânico porque matou um menor (em todos os sentidos).

A pergunta correta é: cadê os pais destas crianças? Onde estão os pais que preparam seus filhos para enfrentar à pedra o fogo, ou que preparam seus imaturos filhos para situações de desumana maturidade? Esses pais são a verdadeira foto. Atual e bíblica a foto nos comove. Lá estão os filhos de Abraham/Ibrahim - Isaque e Ismael - diante do sacrifício. Ismael é enviado por Abrão para a morte ao deserto como uma criança munida de pedra é enviada para zombar do anjo da morte. Isaque, por sua vez, é atado como holocausto e ao final salvo mas não sem cicatriz. Como um jovem que se salva do perigo mas com a marca em sua consciência para o resto da vida. Porque os pais sacrificam seus filhos? Eu sei que há camadas e camadas de explicações, justificativas, ideologias e razões, mas, porque os pais sacrificam os seus filhos? Aliás, desta pergunta não fogem os filhos caçulas de Abrão, os cristãos. Jesus morre à cruz se fazendo essa pergunta.

Imagino que os pais islâmicos sabem bem esta resposta porque posso ver como os pais israelenses respondem esta pergunta. Nosso passado, nossas identidades, nossas lealdades para com os pais, sejam eles na forma de ancestrais ou de História, respondem esta pergunta com um tom de transcendência. Deus aparece então como símbolo maior, monólito deste compromisso com os pais de antes e de sempre. Esta é a foto: um Deus cheio de significado enfrenta uma criança que é toda fé e ingenuidade ou enfrenta um adolescente perdido no vazio próprio de sua idade. Quem vencerá? A criança e o adolescente não têm a menor chance. O altar para o sacrifício está montado. E o nome do Pai é usado mais uma vez em vão.

O Talmude relata que Abaye trouxe para casa uma tâmara excepcional cujo perfume preenchia o ambiente. Seu filho Huna perguntou: de quem é esta tâmara tão maravilhosa? Abaye disse: "é sua, meu filho". Não tardou muito Abaye viu seu filho Huna oferecendo a tâmara a seu próprio filho e comentou: "Meu coração dói e se alegra ao mesmo tempo. Dói porque meu filho Huna preteriu a mim por seu filho e se alegra pois este é o caminho correto". Abaye sintetizou uma verdade de nossa civilização: Toda a vez que os filhos são mais leais para com seus filhos do que com seus pais, o mundo caminha em direção à paz. Toda a vez que os pais suportam esta dor, o mundo caminha em direção à paz.

Cadê os pais dessas crianças? Há uma maioria de pais israelenses que discernem hoje a ideologia que possibilitou o Estado de Israel da ideologia que propõe um estado de defesa. Estar defendido não é o mesmo que se defender. Em nome de estar-se defendido podemos fazer coisas que não gostaríamos tanto no âmbito individual como coletivo. Há, no entanto, um outro grupo de pais que tal como no lado palestino querem ter muitos filhos e vencer demograficamente a batalha de quem tem mais filhos para perder.

Só os pais podem desfazer este ciclo de violência. Há pouco lia sobre uma mãe árabe que reconheceu no aeroporto de Beirute um dos terroristas que haviam participado no massacre das crianças na cidade de Ma'alot. Segundo o relato, ela dirigiu-se ao terrorista e cuspiu-lhe no rosto dizendo: "Você não se envergonha de matar crianças?!". O terrorista que hoje se tornou um moderado e ativista pela paz, ficou por meses deprimido por conta daquele incidente e modificou sua conduta. Desperto por um "pai" que o liberou do torpor de lealdade aos pais, ele se deu conta da vergonha da qual participara.

O rabino Carlebach já havia dito há vinte anos: "A Era Messiânica não será motivada pela preocupação com o próximo, mas com um verdadeiro e genuíno amor pelos filhos." Com todo o amor de nossos pais e de nós pais, com todo o extremismo da mãe e pai mediterrâneo, ainda assim os pais continuam com agendas que são mais importantes que seus filhos. Jamais admitirão isso. Mas qualquer guerra que não seja um ato verdadeiro de auto-defesa atesta e revela esta agenda.

 

MENU
PRÓXIMO TEXTO