O Maguid do Rabino Moisés Hayyim Luzzatto

Parte 1: Os Princípios Fundamentais da Realidade
Capítulo 1 : O Criador
Parágrafo 1


 

 

O Segundo Rabbi Moshe Chaim Luzzatto, há um certo número de elementos com relação a D´us Todo-poderoso que cada um de nós precisa tanto ´conhecer` quanto ´acreditar`.
Aparentemente, ele aglutina essas duas premissas, pois Rambam (Maimônides) afirmou em determinado contexto que devemos ´conhecer` certos fundamentos da fé, e, em outro contexto, que devemos ´acreditar` neles. Aparentemente, Ramchal defende o preceito de que esses dois princípios devem ser combinados.

Com isto, podemos dizer que temos uma resposta acadêmica à questão suscitada pela presença destes dois princípios. Gostaríamos agora de abordar esta questão por um outro ângulo, e colocar algumas perguntas com base nessa combinação. Primeiro, qual a diferença entre acreditar e conhecer? E, também, por que motivo Ramchal combina esses dois princípios?

Acredito que a melhor maneira de definir a diferença entre conhecer e acreditar é imaginarmo-nos pessoalmente destituídos dessas duas capacidades. Parece-me que não acreditar é mais ameaçador em termos pessoais e existenciais, e mais tenebrosamente terrível do que não conhecer. Quando estou convencido de que não conheço alguma coisa, posso sempre aprender algo sobre isso; ao passo que, se não acredito em algo, fico de certa forma "perdido". E, de fato, muitos de nossos Sábios ensinam que a crença situa-se em um patamar superior ao conhecimento.

Mas, ao mesmo tempo, não saber representa também uma ameaça. Por exemplo, quando sei por que algo de ruim aconteceu comigo, a dor é mitigada e posso encontrar alívio. Por outro lado, não saber é algo que, de maneira opressiva, parece nos corroer por dentro.

Aparentemente, Ramchal defende o ponto de vista de que, de alguma maneira, devemos internalizar de tal forma a verdade da existência de D´us, convencermo-nos de tal maneira de Sua presença viva, que tanto a obscura e apavorante falta de fé n´Ele, quanto a desoladora falta de conhecimento dos desígnios de D´us neste mundo desapareçam por completo.

Mas como podemos chegar a esse estágio?

Isto poderá nos ajudar: Percebam como Ramchal intitula seu trabalho ´O Caminho de D´us`, no singular, e não ´os caminhos`, como colocamos anteriormente ao mencionarmos "os desígnios de D´us neste mundo".

Acredito que Ramchal utilizou-se do singular pois um ponto importante presente em todos os seus textos é que D´us tem um amplo caminho ou ´roteiro`, digamos assim, com muitas e muitas vias secundárias ou ´roteiros complementares`, ao longo do caminho. Todas essas vias tornam possível a concretização da via principal.

Quando efetivamente percebermos isso - ao aprendermos e acreditarmos nisso com nossos corações e almas --, estaremos ´conhecendo` e ´acreditando`. E, na verdade, boa parte da dádiva presente neste livro está em enfatizar o caminho de D´us à luz de Seus muitos roteiros complementares.

Isto posto, devemos afinal acreditar em quê, conhecer o quê? (Veremos que várias coisas podem ser incluídas aqui, e todos nós teremos de ser pacientes, tendo em vista que ´O Caminho de D´us` é uma obra que se revela em estágios sucessivos.)

O fato primordial é que D´us é o ´primeiro ser`; e Ele existia ´antes` de qualquer coisa ou pessoa, e continuará a existir ´depois` que tudo e todos desaparecerem.

Mas temos aqui um fato curioso. Se Ele é o ´primeiro ser`, é claro que Ele existia ´antes` de tudo e de todos. Portanto, o que Ramchal quer dizer com isso? Qual é a diferença? (Quanto à referência ao fato de D´us continuar a existir ´depois` de tudo, chegaremos em breve a essa questão.)

Talvez possamos explicar a referência a D´us como o ´primeiro ser` da seguinte maneira:

Se por acaso, de uma maneira ou de outra, de repente adentrássemos a realidade pela primeira vez, o primeiro ser cuja presença ´perceberíamos` -- o mais evidente e proeminente Ser - seria D´us. Isso pelo simples fato de que não poderíamos ainda ter tido a chance de achar que Sua presença é um dado corriqueiro da realidade, e também, ainda não estaríamos soterrados por todas as coisas que fazem com que nos esqueçamos d´Ele.

D´us terminará por provar que já existia ´antes` de tudo. Mas esta percepção virá mais tarde, depois de termos passado pelo choque e pelo espanto de nos percebermos diante de Sua presença.

Além disso, o autor nos diz que Ele continuará a existir ´depois` que tudo e todos tiverem desaparecido. Por que motivo precisaríamos saber disso também?

Esta parece ser a melhor maneira de ilustrar e explicar o fato de que D´us precede e sucede a tudo e a todos. Imagine um concerto cheio de movimentos abruptos e relâmpagos, timbres graves e agudos, andamentos pesados e outros mais leves. E imagine esse concerto começando com uma única nota que, de uma forma ou de outra, enovela-se através da partitura e reaparece no final do concerto.

Em retrospecto, esta nota não teria afinal ´definido` o concerto, e conferido a ele sua efetiva relevância?

É este exatamente o ponto central da argumentação de Ramchal: A inefável presença de D´us define a realidade e a ela confere sua real importância. E, por ser o primeiro e o último, Ele é a melhor parte do todo.

Sua conclusão aqui é de que D´us -- e apenas Ele -- ao mesmo tempo ´cria` e ´mantém` todas as coisas.

Em termos bastante simples, isto termina por negar o poder de qualquer coisa ou de qualquer pessoa de verdadeiramente ´criar` algo a partir do nada (apesar de nossas fantasias e vaidades pessoais). E isto também enfatiza e reafirma o fato de que D´us não apenas nos criou como também nos ´mantém` a cada momento.

Retomando nossa analogia com a música, D´us não somente pressionou Seus lábios (por assim dizer) no bocal de nossos seres para começar a nos "tocar" (ou seja, nos animou com seu sopro), como Ele também continua a fazer isso, durante toda a duração do concerto.

 

 
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